Family Offices: da gestão patrimonial à governança de famílias empresárias
- Mateus Reppucci
- há 2 dias
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O conceito de family office deixou de ser um jargão restrito a círculos de ultra-ricos estrangeiros e começa a ganhar espaço no vocabulário das famílias empresárias brasileiras. Se antes a imagem era de estruturas criadas apenas para gerir fortunas bilionárias, hoje o movimento é mais abrangente: trata-se de um modelo que responde a desafios que vão muito além da rentabilidade dos investimentos. De acordo com a Deloitte, os family offices estão se consolidando como centros de coordenação de governança, sucessão e impacto social, refletindo a pressão da chamada “grande transferência de riqueza”, estimada em trilhões de dólares até 2030¹.
Historicamente, a função central de um family office era administrar portfólios financeiros, proteger ativos e otimizar a carga tributária. Mas o desenho atual é mais complexo. A KPMG observa que cada vez mais essas estruturas assumem um papel de “cérebro estratégico” da família, atuando em frentes como educação de herdeiros, filantropia, estruturação de conselhos e até mediação de conflitos². Essa ampliação de escopo tem uma razão prática: estatísticas apontam que apenas 30% das empresas familiares sobrevivem à segunda geração, e menos de 10% chegam à terceira³. A erosão do patrimônio está menos ligada a más escolhas de investimento e mais à ausência de governança sólida.
Esse fenômeno não é exclusivo das grandes economias. Na América Latina, a busca por family offices ganhou velocidade, impulsionada pela combinação de ativos relevantes, volatilidade macroeconômica e a percepção de que improviso não garante perenidade. O Global Family Office Report da UBS mostra que famílias latino-americanas estão desenhando estruturas que não copiam cegamente modelos norte-americanos ou europeus, mas incorporam preocupações locais, como a instabilidade regulatória, a concentração de poder em fundadores e o papel crescente das mulheres no comando⁴. Em vários casos, o family office se torna não apenas uma central de investimentos, mas um fórum para a profissionalização de gerações sucessoras.
Exemplos internacionais ajudam a entender esse movimento. Na Europa, dinastias como a Hermès e a Ferragamo usam family offices para manter coesão acionária e alinhar interesses de múltiplas gerações, combinando gestão de portfólio com uma forte disciplina de governança. Nos Estados Unidos, grandes fortunas como a dos Rockefeller foram pioneiras em institucionalizar seus family offices como plataformas de impacto, financiando inovação e projetos sociais. Já na Ásia, onde o crescimento econômico criou novos bilionários em poucos anos, os family offices vêm sendo usados como instrumentos para profissionalizar herdeiros que assumem papéis de liderança muito cedo.
No Brasil, o movimento ainda é recente, mas visível. A EY ressalta que as famílias empresárias locais têm usado family offices como espaço de aprendizado: jovens sucessores passam a conviver com métricas de gestão, a entender a lógica de investimentos e a participar de decisões coletivas⁵. Essa abordagem reduz o choque entre gerações e prepara os herdeiros de forma gradual, dando a eles segurança para inovar e, ao mesmo tempo, preservar o legado construído. É comum que esses jovens tragam novas pautas para a mesa, como ESG, investimentos de impacto e tecnologia — temas que dificilmente fariam parte da agenda de fundadores formados em outra época.
O que chama atenção é que, em muitos casos, não é o tamanho da fortuna que justifica a criação de um family office, mas a complexidade da família. Patrimônios médios, mas com múltiplos herdeiros e negócios em setores diferentes, já se beneficiam de estruturas formais. Afinal, mais do que gerir ativos, o family office organiza o diálogo. Ele traduz valores, estabelece regras e cria processos que reduzem a margem para disputas. Ao institucionalizar a família, transforma relações pessoais em diretrizes coletivas — e isso aumenta as chances de continuidade.
Essa mudança de perspectiva revela um ponto central: family offices não são apenas uma solução financeira, mas um modelo cultural de perpetuação. Eles oferecem às famílias empresárias a oportunidade de unir patrimônio e propósito, de pensar a riqueza não como um fim em si mesma, mas como um meio de transformação ao longo do tempo. À medida que o Brasil se insere nesse debate, o desafio será adaptar as melhores práticas internacionais às realidades locais — de instabilidade política e tributária a novos arranjos familiares — para que o conceito se torne de fato uma ferramenta de governança e não apenas uma tendência importada.
Referências
1 Deloitte – Family Office Insights Global Edition. Disponível em: https://www.deloitte.com/tw/en/services/deloitte-private/about/family-office-insights-series-global-edition.html
2 KPMG – Succession Planning in Family Businesses. Disponível em: https://assets.kpmg.com/content/dam/kpmg/sa/pdf/2023/fb-succession-eng-v16-spread.pdf
3 EY & University of St. Gallen – Global Family Business Index 2025. Disponível em: https://www.ey.com/en_gl/insights/family-enterprise/family-business-index
4 UBS – Global Family Office Report 2023. Disponível em: https://www.ubs.com/global/en/global-family-office/reports.html
5 EY – NextGen Survey. Disponível em: https://www.ey.com/en_gl/family-enterprise/ey-nextgen-survey
6 OPENAI – ChatGPT. Ferramenta utilizada como apoio para revisão de clareza textual e organização de ideias. Disponível em: https://chat.openai.com/
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